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Memória, para quê?

Nov 13, 2018 · 3 min read

Este artigo foi originalmente publicado no Medium

Você não sabe que dia é hoje, sabe? me perguntou a recepcionista do albergue, quando lhe pedi sugestão de onde comer. De indicações para uma sexta-feira à noite em Santiago, passei a esperar que o delito que estivesse cometendo fosse dos menores. Como alguém que faz vista grossa, sugeriu um local próximo e me recomendou voltar correndo se avistasse qualquer agrupamento maior de pessoas. Era 11 de setembro, o dia em que as ruas do Chile ficam vazias.

Sem querer cheguei no aniversário do golpe militar e, quase tão por acaso, fiz um tour pela história da ditadura chilena no dia seguinte. Viajando sozinho, busquei eventos em que pudesse conhecer gente e acabei em uma visita guiada por integrantes do CouchSurfing ao Museo de la Memoria y los Derechos Humanos e à Villa Grimaldi logo em seguida. Foi um dia intenso, dentre outras razões, pelas histórias e cenas fortes desse programa.

Chile, ame-o ou deixe-o — escada na entrada do Museo de la Memoria y los Derechos Humanos
Chile, ame-o ou deixe-o — escada na entrada do Museo de la Memoria y los Derechos Humanos

O museu, projeto de um escritório de São Paulo, foi inaugurado em 2010 para dar visibilidade às violações aos direitos humanos cometidas pelo Estado chileno durante a ditadura de Pinochet. São dois andares com relatos, fotos e outros documentos contando os acontecimentos do período e a história de muitos que sofreram com o regime. É difícil não se emocionar ao ver a quantidade de pessoas mortas ou desaparecidas num painel ou o setor dedicado à dor das crianças. Este vídeo, em espanhol, mostra um pouco do museu que não pude fotografar a não ser em seu exterior — atenção para a quantidade de centros de tortura que existiram no Chile.

Casas de isolamento na Villa Grimaldi
Casas de isolamento na Villa Grimaldi

Villa Grimaldi, a segunda parada, já nos limites de Santiago, foi um dos mais importantes centros de interrogação e tortura do DINA, algo como o nosso DOI-CODI. Um sítio com diversas estruturas de isolamento, tais como “casas” de madeira onde se colocavam várias pessoas vendadas por dias enquanto estão sendo interrogadas e torturadas. É aterrorizador imaginar o que se conta sobre um local como esse.

Estes espaços são frutos de um olhar honesto para a história. No Chile, assim como na Argentina, comissões da verdade foram instaladas logo após o término das ditaduras e até hoje os processos rolam. Na semana passada, 11 militares foram condenados no Chile por uma operação que ocorreu durante a ditadura. No Brasil a comissão foi instalada apenas em 2012 — dois anos após a inauguração do museu chileno — e enfrentou dificuldades óbvias como a de encontrar os corpos dos desaparecidos. A nossa dificuldade em confrontar e preferir o caminho da conciliação, como colocou Fernando Rodrigues, abre espaço para leviandades como a de exaltar um torturador ou a de abrandar o golpe tomando-o por um movimento.

“O golpe segue e seguirá presente enquanto sigamos vivendo suas consequências e os assassinos sigam em silêncio” — lambe-lambe no centro de Santiago
"O golpe segue e seguirá presente enquanto sigamos vivendo suas consequências e os assassinos sigam em silêncio" — lambe-lambe no centro de Santiago

Durante esses anos me perguntei se a ditadura no Chile não foi mais sangrenta que a nossa ou se eles são mais “engajados” e até hoje lutam para que se faça justiça sobre esse momento da história. Hoje me pergunto se não somos nós que estamos perdendo a memória. O novo governo se inspira em modelos fracassados da história chilena. Se é para nos inspirar em algo, que seja na capacidade de seu povo de não esquecer.